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Quem Avalia o Avaliador?

Um dos procedimentos mais complicados de uma corporação é a avaliação que se faz de um colaborador. E, normalmente, os avaliadores não têm a mínima noção dessa complicabilidade porque se baseiam em ferramentas conceituais. Dizer-se simplesmente tal pessoa não serve não é, evidentemente, algo tão simples que se possa fazer a partir de percepção pessoal, mas esse fator interfere muito mais do que se imagina


 

Em filosofia, discute-se muito o conceito da casinha amarela ao qual o de avaliação está intimamente ligado, se se aprofundar na análise. A questão de juízo de valor entra como instrumento desse aprofundamento. Quando alguém nos diz “estive ontem em uma bela casinha amarela”, nossos sensores internos imediatamente nos remetem à imagem daquilo que nós próprios imaginamos ser uma casinha amarela. E imaginar é um longo e sinuoso caminho rumo a desconhecidos pessoais.

Hipótese: João e Pedro têm trinta anos e são gêmeos. A maioria das situações na vida dos dois foi vivida por ambos ao mesmo tempo: senso familiar, início de escola, construção do sentido de sociedade, percepção dos sentimentos humanos etc.

Aos dez, ambos visitaram a casa da avó, em cujo bairro havia uma casinha amarela. Diante da casinha, João presenciou sozinho ferrenha briga de cachorros. Ao longo de sua vida, João presenciou muitas brigas de cachorros, mas aquela o marcou pela ferocidade dos semblantes dos animais. No dia seguinte, Pedro, sozinho, passa diante da mesma casinha amarela, na calçada da qual um pardal com sua graciosidade apanha migalhas de alimento no chão e as leva para seu ninho, em árvore próxima, para alimentar seus filhotes. Pedro fica enternecido com a cena.

João e Pedro trabalham na mesma empresa. São gerentes gestores de equipe de venda – cada um gerencia a sua – e precisam avaliar novos candidatos a várias vagas abertas. O pessoal do RH promoveu algumas dinâmicas para os candidatos, dentre as quais havia o desenho de uma casinha que deveria ser pintado. O pessoal do RH leva a João e a Pedro o resultado das dinâmicas.

Passaram-se vinte anos desde as circunstâncias vividas por ambos diante da casinha amarela. Mas João, sem mesmo saber porquê, rejeita todos os candidatos que tiveram a falta de sorte de pintar de cor amarela a casinha do desenho; Pedro, por outro lado, selecionou todos os candidatos que tiveram a sorte de pintar de cor amarela a casinha no desenho. Os motivos oferecidos por ambos por suas escolhas tinham fundamento aparentemente científico, mas estavam determinadamente ligados à questão percepcional.

Sem entrar no mérito de ter sido a seleção bem feita ou não ou se os resultados com a nova equipe foram ou não alcançados, é estranho no mundo de hoje – cheio de mecanismos de comunicação que impossibilitam real intercâmcio de conhecimentos entre seres humanos – imaginar-se que ser bem avaliado não depende de competência, mas de sorte ao pintar uma casinha. Talvez fosse plausível há muitos anos, quando os instrumentos de reconhecimento de talentos eram bastante arcaicos: o pistolão.

Alguém permitiu que João e Pedro tivessem a responsabilidade de decidir se alguém é bom ou ruim para a empresa em que trabalha. Alguém, anteriormente, permitiu que esse alguém permitisse. A situação é complexa, reconhecemos. Mas há valores importantes envolvidos. Valores que salário algum seria o bastante para suplantar.

Aí encontra-se um grande problema. Para que o resultado da avaliação seja o menos imperfeito possível – pois que, neste caso, não existem resultados perfeitos -, é necessário que o avaliado tenha plena ciência do que se espera dele. Ou seja, é preciso que todas as regras sejam postas à mesa. No caso da casinha amarela, os candidatos estavam às cegas, como um jogador de tênis que se depara com grande campo de futebol no momento de fazer o teste e, então, joga tênis, não futebol. Pintar casinhas, desenhar árvores, responder a questões padronizadas me parece representar muito bem a situação dos calouros de TV que se apresentam para um júri inapto, posto que aqueles dependem do nível de necessidade de agradar públicos que cada jurado mantém.

Quando se avalia o desempenho de um colaborador, ainda que o objetivo seja prático e não inferido, é necessário levar em consideração uma infinidade de conceitos, especialmente a ótica momentânea do avaliador. Estatisticamente, o avaliador não se dá ao trabalho de observar os resultados, ou a falta de resultados, pela visão do avaliado. Respeito ao espaço de terceiros pode ser confundido com insegurança; falta de questionamento pode ser confundida com percepção de que o projeto ainda esteja nascendo e, portanto, o avaliador não tem condições de oferecer melhores instruções; não participatividade pode ser confundida com espera de momento adequado etc. E, a mais intrigante das confusões, hipocrisia e dissimulação podem ser confundidas com interesse pela corporação. Etc.

Uma frase  do mundo do futebol atribuída a Neném Prancha infere que “o pênalti é tão importante que devia ser cobrado pelo presidente do clube”. A partir dela, pode-se insinuar que a avaliação de desempenho é tão importante que deveria ser feita pelo presidente da empresa”. 

Enquanto isso, grupelhos dentro de grandes empresas as fazem perder grandes talentos, talvez para se lembrarem depois que – segundo conta a história -, no início da carreira, Pelé foi rejeitado por alguns técnicos de grandes times e Einstein, rechaçado por alguns professores de física e matemática.


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