Periodicamente, as civilizações assimilam determinados padrões de comportamento que historiadores posteriores estudam exaustivamente. No futuro, certamente ficarão abismados com a postura subserviente da nossa, ocidental, que é capaz de anular princípios básicos de convivência social em nome de espaço ao sol
A Grécia Antiga assumia relações homossexuais como padrão social, mantendo as heterossexuais apenas como objeto de procriação; ainda nesse período, desde séculos antes, o padrão religioso determinava culto a diversos deuses. Na Idade Média e em alguns séculos depois, a beleza feminina era proporcional às formas arredondadas da cintura e roliças nos braços e pernas e, na área comportamental, a hipocrisia era a norma: posturas criticáveis eram assumidas ou rechaçadas normalmente, dependendo da situação.
Atualmente, no Oriente, a ideia de que sacrifícios agradam forças espirituais e são capazes de reverter situações trágicas comunitárias ou pessoais ainda persiste ao longo dos milênios. No Quênia, África, não é incomum homens acometidos pelo vírus da Aids estuprarem virgens, certos de que isso seja suficiente para livrá-los do mal.
Mesmo no mundo ocidental, mães rezam, oram ou oferecem ebós a semideuses para que seus filhos passem no vestibular ou tenham sucesso no emprego. Templos evangélicos das chamadas Igrejas Prosperacionistas fazem cada vez mais sucesso e recebem milhares de pessoas que querem se dar bem na vida a partir de compras de objetos mágicos, como toalhinhas que zeram débitos bancários, vassouras consagradas que varrem o mal da vida, tijolinhos especiais que facilitam construção ou compra da casa própria etc. etc. etc.
A Busca ao Pódio Talvez Seja o Mal do Século
Como se sabe, prosperidade é historicamente meta de qualquer ser humano. Desde que o homem passou a perceber o mundo a sua volta ao sair das cavernas, parte do cérebro procurou desenvolver habilidades para manter o organismo vivo e, se possível, intacto. Foi o instinto de preservação se criando, se montando.
Atualmente, o instinto de preservação não precisa se preocupar tanto com percalços físicos: luta por alimento, fuga de feras, brigas com espécimes mais resistentes, catástrofes naturais etc. Entretanto, o instinto persiste no DNA, no gene das espécies vivas. E se transferiu para a preservação do status, da prosperidade, da ostentação.
Se antes a luta era por sobrevivência, hoje é por se manter em destaque, seja por qual meio for:
- Redes sociais com likes e compartilhamentos que mascaram alívio à necessidade de estar em evidência
- Mídia virtual com quantidades de seguidores que mascaram necessidade de conforto psicológico tribal
- Religião com cantores gospel que mascaram egolatria pura
- Política com hipocrisia que mascaram necessidade de manutenção de privilégios
- Violência com roubos, furtos, assassinatos que mascaram materialismo absurdo
- Corporativismo com senso de concorrência que mascara vaidade pessoal
- Etc.
O Pódio Tem Apenas um Trono
E esse é um grande problema. Reinos jamais possuíram dois reis ao mesmo tempo. Rômulo e Rêmulo fundaram Roma, mas um deles sempre foi mais forte que outro, ou seja, único ocupante do trono, caso existisse um no início do Império Romano. Para que alguém use a coroa, o ocupante anterior precisa morrer. Inclusive no papado.
“Ser o primeiro na sociedade” é resquício mascarado do gene do “ser o mais forte do clã”. O sistema corporativista, com suas palestrantes motivacionais, incitam constantemente esse comportamento. Seja a partir da noção de metas, de prêmios, de canetas personalizadas em fins de ano, em contratos cada vez mais consistentes, o colaborador é levado a acreditar que está fazendo tudo por si mesmo.
Inadvertidamente, briga, veste a camisa, almeja o mais alto do pódio, tudo em nome do crescimento pessoal, da prosperidade pessoal, em nome do futuro da família. Hollywood é plena de exemplos semelhantes, livros são fartos em momentos iguais. O provedor da prosperidade familiar trabalha dezoito horas por dia a fim de manter o padrão familiar.
No frigir dos ovos, é alimento para a fome de manutenção de poder. O que o marketing vende como status é, em verdade, perpetuação de costumes que corroem a dignidade humana a tal ponto que os próprios indignificados não o notam. O filme Django Livre, de Tarantino, mostra um negro cujo sentido de subserviência está tão incrustado em seu sangue que é capaz de levar seus iguais ao tronco porque estes quebraram ovos do sinhozinho.
Mas Essa Ideia É Escondida…
… na tática da Parábola do Remador:
Diz-se que havia certo empresário que fechara contrato com vários clientes, que ficavam do outro lado de grande e largo rio, que compraram alguns produtos de sua empresa. Resolveu que poderia fazer as entregas por barco e não por estrada, como era comum na região, pois haveria de baratear custos. Pensou em operar o transporte em seu barco à vela.
Eram produtos corrosivos. Certamente estragariam sua propriedade. Como a logística das empresas se dava por estradas, havia pouquíssimos barcos nas águas do rio, todos eles de passeio e lazer. E nenhum dos barqueiros queria arriscar a vida e a integridade de seus barcos no transporte dos produtos.
Depois de muitos cálculos de sua equipe financeira, decidiram em reunião extraordinária criar academia de exercícios físicos. Montaram excelentes peças publicitárias e atraíram a esmagadora maioria dos jovens da região. Mostraram a importância da frequência na academia para a saúde, para o bem-estar mental, para a autoestima.
O empresário, então, escolheu dez dos inscritos nas atividades físicas. Instruiu o diretor da academia a convencê-los de que obteriam melhor condicionamento físico se aproveitassem o rio ao lado e remassem por algumas horas. O prêmio para o melhor remador seria representar a empresa nos jogos regionais corporativistas.
Os remadores ficaram muito contentes, felizes da vida, orgulhosos de si por representar a empresa nos jogos; empenharam-se a mancheias. Por anos a fio, dedicaram-se àquela atividade como se fosse a única disponível para suas inteligências.
E foi assim que o empresário ganhou mais dinheiro com a vaidade dos matriculados e com o espírito de fidelidade dos remadores, que transportavam os produtos embalados por suas próprias ingenuidades.
O Pódio Pode Não Ser o Melhor Lugar
O pódio é lugar solitário rodeado por muitas pessoas. É carro de custo milionário. É livro que poucos leem e que todos querem ter na estante. É universo distante cortado por milhões de cometas.
O pódio polui, desmata, corrompe, transgride, engana.
Por outro lado, é possível se estar nele sem se deixar contaminar por suas armadilhas. Basta que, ao longo do desenvolvimento e evolução profissional, a preocupação primeira seja a manutenção da própria dignidade recusando ações primitivas, aplaudindo o vencedor, admirando o menor, auxiliando o desconfortável, presenciando o crescimento dos filhos, destacando o sorriso do cônjuge, acomodando-se no abraço dos pais, respirar o ar dos parques.
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